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INFORMAÇÃO - Comissão de corretagem, incorporação imobiliária e cláusula resolutiva expressa



A relevância do corretor de imóveis ao mercado imobiliário é inquestionável. Na incorporação imobiliária, quando pensamos a respeito do corretor, somos remetidos imediatamente ao profissional que trabalha no estande de vendas para a intermediação das unidades do empreendimento. Mas antes dessa atuação, o corretor de imóvel possivelmente também intermediou a comercialização do terreno que foi destinado à incorporação imobiliária.

Há corretores de imóveis especializados justamente em buscar terrenos para que os incorporadores desenvolvam empreendimentos imobiliários. Esses corretores não oferecem apenas terrenos que já estão aptos para o desenvolvimento de um empreendimento, mas também têm a capacidade de agrupar terrenos (de proprietários diferentes) que possam ser destinados à incorporação imobiliária.

O que se objetiva no presente e breve estudo é saber quando será efetivamente devida a comissão de corretagem pelo negócio entabulado entre o incorporador e o proprietário do terreno.

A questão torna-se interessante porque mesmo que o incorporador se interesse pelo imóvel apresentado, diversos fatores alheios à vontade das partes concorrem para a consecução do empreendimento. Embora a localização e outras características do imóvel sejam excelentes, inúmeras outras questões influem para o sucesso da incorporação imobiliária.

É relevante, assim, ao incorporador, estudar as restrições para construção na legislação urbanística local, avaliar as eventuais contrapartidas que poderão ser determinadas pelos órgãos públicos, investigar a respeito de questões ambientais do terreno, verificar os custos para o desenvolvimento do projeto, obter aprovação do projeto, dentre outras questões.

Todavia, as avaliações acima referidas e a obtenção de aprovação do projeto perante o órgão municipal possuem custo elevado, de modo que é muito comum, no âmbito da incorporação imobiliária, que as partes, antes de incorrer em tais gastos, resolvam firmar instrumento particular de promessa de venda e compra, contrato preliminar em que prometem seguir com o negócio definitivo, a depender dos resultados positivos dos referidos estudos e caso o incorporador obtenha a permissão para construir.

Assim, considerando que o incorporador quer ter segurança jurídica para poder iniciar as investigações de viabilidade do empreendimento, imprescindível que as partes firmem contrato, ainda que preliminar e declaradamente em caráter de promessa, para constituir algum vínculo jurídico. Como bem referido por Gustavo Tepedino e Carlos Nelson Konder1:

[...] reputa-se legítima a prática de as partes celebrarem contrato preliminar com elementos indefinidos, que serão especificados pelas negociações futuras ou, na falta de acordo superveniente, pelos critérios jurídicos de integração contratual, sem prejuízo à sua execução específica. Compreende-se, assim, a necessidade de contratos preliminares em negócios de elevada complexidade, afigurando-se, por vezes, como mecanismo estratégico em contratações nas quais boa parte do conteúdo contratual é deliberadamente postergada para negociações e ajustes futuros [...] Justifica-se, nesse cenário, a estipulação do preliminar, com a presença de todos os elementos essenciais de validade, enquanto parte de seu conteúdo é deixada para futura gestão, em boa-fé, pelos contratantes.

Contudo, diante de uma série de incertezas a respeito da viabilidade do contrato, é natural que o contrato preliminar possua cláusula que permita ao incorporador não seguir com o contrato, dentre elas a inviabilidade técnica ou financeira do empreendimento ou o apontamento de riscos jurídicos nos documentos apresentados pelos vendedores, após a intitulada due diligence.

Nesse sentido, é corriqueiro o emprego de cláusula contratual em que as partes determinam que a exclusivo critério do incorporador, o contrato poderá ser resolvido de pleno direito (em prazo determinado ou não) quando, exemplificadamente, (i) o projeto pretendido não seja aprovado pela municipalidade ou quando a sua aprovação requer onerosas contrapartidas; (ii) restar comprovado que o terreno possui limitações urbanísticas ou ambientais; (iii) o custo para a implantação do empreendimento superar o valor previsto pelo incorporador ou (iv) qualquer outra situação que possa impossibilitar a viabilidade técnica ou financeira para a execução da obra pretendida.

As situações acima descritas são normalmente qualificadas pelas partes nos contratos de promessa de compra e venda como condições resolutivas embora, tecnicamente, por permitirem ao incorporador não seguir com o negócio, correto seria intitulá-las cláusulas resolutivas expressas2.

Além de a cláusula resolutiva expressa permitir aos contratantes não seguir com o contrato em definitivo, também confere a facilidade de admitir a resolução do contrato de pleno direito (art. 474, do Código Civil), ou seja, sem a necessidade de confirmação de pronunciamento pelo Poder Judiciário, embora essa questão ainda seja controversa na jurisprudência3.

Segundo Aline Valverde Terra4, a cláusula resolutiva expressa é, em definitivo, manifestação evidente da autonomia privada, atribuindo às partes a liberdade de, ao criar o vínculo jurídico, estabelecer em que situações ele poderá ser desfeito, desde que conduzam à incapacidade de a relação obrigacional promover o resultado útil programado.

Assim, ao contratar, as partes podem antever os principais riscos envolvidos no contrato, declarando que, na sua ocorrência, o contrato, mediante manifestação do credor, resolve-se sem a necessidade da propositura de uma ação judicial. Embora a cláusula resolutiva expressa seja muito frequentemente utilizada para extinguir o contrato em razão do inadimplemento absoluto, sua função extrapola tal situação. Nesses termos, as partes podem redistribuir os riscos para situações em que sequer exista culpa atribuível à contraparte.

Esse relevante instrumento de gestão do risco contratual confere ampla liberdade às partes, nas relações civis, para extinguir o contrato em razão não apenas do descumprimento da contraparte, mas, também, em razão da verificação de fatos e eventos que os contratantes reputem suficientes para a resolução contratual.

Nesse sentido, resta a pergunta. Ainda que o corretor tenha sido diligente na sua função, conseguindo aproximar as partes, e que dessa atuação tenha resultado a assinatura de um contrato preliminar, a formalização desse negócio jurídico necessariamente impõe o pagamento da corretagem?

Ora. Se, após a investigação técnica e auditoria jurídica, o incorporador verificar que não há impedimentos para seguir com a obra, tendo, por exemplo, obtido a aprovação do projeto pretendido pela prefeitura sem impedimentos ou contrapartidas onerosas, tendo formalizado o contrato definitivo com o proprietário do imóvel (escritura de compra ou permuta), o resultado útil do corretor foi alcançado e a comissão de corretagem é devida, nos termos do art. 725, do Código Civil.

A questão é mais controversa quando, mesmo após formalizado o instrumento particular de promessa de compra e venda, o incorporador resolve fazer uso da cláusula resolutiva expressa para extinguir o vínculo contratual, porque o resultado das investigações técnicas e da auditoria jurídica revelaram questões que oneram excessivamente ou impossibilitam a consecução da obra, na forma pretendida.

Na lição do Des. Antônio Carlos Mathias Coltro5,

[...] é aleatório o contrato (de corretagem) porque o corretor depende da sorte de seu trabalho para ter direito ao recebimento da corretagem, aí estando o risco da atividade em virtude do qual a remuneração do corretor depende da ocorrência de uma condição suspensiva, que consiste na realização do negócio6.

Como bem referido por Gustavo Tepedino7,

[...] o objeto do contrato de corretagem não é o serviço do corretor em si mesmo considerado, mas o resultado desse serviço, que, por sua vez, não se reduz à conclusão do negócio pretendido, melhor se identificando como a eliminação, por parte do corretor, de qualquer obstáculo à sua celebração.

Nesse sentido, ainda que o corretor tenha realizado a aproximação das partes, participado ativamente das tratativas, tendo obtido diversos documentos às partes e atuado diligentemente para a formalização do instrumento particular de promessa de compra e venda, a comissão de corretagem pode não ser devida, caso o resultado útil não seja obtido pelas partes.

É necessário, como bem referido por Gustavo Tepedino8, que seja identificada a causa do contrato de corretagem, seja no que tange à exigibilidade da remuneração devida, seja no que concerne à aplicação da disciplina compatível com o contrato. E a causa da corretagem, no âmbito da incorporação imobiliária, é justamente que incorporador e dono do terreno firmem não apenas um contrato preliminar, mas que obtenham o resultado útil com o contrato definitivo.

A causa do contrato de corretagem de um contrato de compra e venda de uma casa já construída difere completamente da aquisição de um terreno pretendido para o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, que requer uma série de investigações para confirmar a viabilidade construtiva.

Justamente por isso que antes de formalizar o vínculo contratual com o corretor, o responsável pelo pagamento da comissão (normalmente o proprietário do terreno) estipula que a comissão de corretagem somente será devida caso o negócio jurídico pretendido não seja desfeito pelo incorporador, reputando o resultado útil da corretagem como a formalização definitiva do contrato.

As demandas judiciais que envolvem a pretensão do corretor de obter a comissão de corretagem mesmo após a extinção do vínculo contratual do incorporador e dono no terreno têm sido frequentes nos tribunais.

Em tais situações, caso a dilação probatória demonstre que a incorporadora resolveu extinguir o vínculo jurídico de forma motivada, ou seja, porque questões técnicas e jurídicas comprovaram a inviabilidade do empreendimento, o que autoriza o uso da cláusula resolutiva expressa, a comissão de corretagem não é devida, porque não obtido o resultado útil.

Na jurisprudência, podemos destacar julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo9 em que se determinou que a comissão de corretagem somente seria devida caso houvesse aprovação do projeto pretendido pela incorporadora e a efetiva concretização do negócio jurídico definitivo.

No âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça10, também há diversos julgados que determinam que a comissão de corretagem somente é devida se houver a conclusão efetiva do negócio.

Naturalmente há maior segurança jurídica quando as partes estão diante de um contrato com pouca incompletude e cláusulas adequadas e claras a respeito dos principais riscos envolvendo o negócio jurídico. Se a promessa de venda e compra permite expressamente a resolução do vínculo contratual em razão da cláusula resolutiva expressa, retirando-se a eficácia do contrato por questões delimitadas no contrato, a ocorrência de tais fatos permite a extinção do vínculo e, naturalmente, o resultado útil da corretagem não é alcançado.

Bem definida essa questão, o contrato de corretagem também pode estabelecer expressamente que o corretor apenas receberá se tal resultado útil for obtido, o que facilita a resolução do conflito, pelo julgador.

Por outro lado, nem sempre os contratos de compra e venda são elaborados com o uso da cláusula resolutiva expressa ou estabelecem claramente a possibilidade de o incorporador (ou o vendedor) não seguir com o contrato. Também é corriqueiro que o vínculo jurídico com o corretor não seja formalizado por escrito, o que traz dificuldades ao julgador para saber qual a comissão devida e quem efetivamente foi o contratante.

Diante da ausência de contrato de corretagem ou da insuficiência de informações no texto contratual, temos, para nós, que o recebimento da comissão, no negócio jurídico firmado entre incorporador e dono do terreno, fica condicionado à formalização do negócio jurídico definitivo (e não preliminar). Da mesma forma, no silêncio do contrato, alcançado o resultado útil, regra geral, o pagamento da comissão competirá a quem propõe ao corretor intervir na negociação, tal como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça11.

Assim, na incorporação imobiliária e no âmbito do contrato firmado entre incorporador e dono do terreno, a melhor interpretação à obtenção do resultado útil é a efetiva formalização do negócio jurídico e, caso o incorporador exerça licitamente o direito conferido na cláusula resolutiva expressa, a extinção do contrato não gera ao corretor a comissão de corretagem.

Fonte: Migalhas

 
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